quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

CATIRINA E AMÉLIA - INFLUÊNCIAS NA CIRCULAÇÃO DA BRINCADEIRA


Certa vez, lendo o jornal Folha de S. Paulo, li uma reportagem do ANTROPÓLOGO Hermano Viana ao qual tenho guardado há 13 anos e que falava sobre o dinamismo da circulação de nossas brincadeiras no folclore. Meu objetivo hoje é fazer uma releitura do que Hermano escreveu observando e comentando ponto por ponto.


Ele dizia que Catirina é uma mulher danada. No imaginário popular brasileiro trava um combate de vida ou morte com a Amélia. Não é uma mulher de verdade, é uma mulher de capricho, de dengo, de ilusão. Amélia achava bonito não ter o que comer. Catirina, grávida e "à beira de um ataque de nervos", quer comer o que há de melhor. Seu desejo é muito refinado e não se contenta com pouco: ela só pensa em saborear a língua do boi mais querido do patrão do seu marido.


O antropólogo completa a frase e nos diz que: foi esse desejo, extremamente caprichoso, que, em muitos lugares do Brasil, desencadeou a saga da brincadeira do boi, aquela descrita por Luís da Câmara Cascudo como "o primeiro auto nacional na legitimidade temática e lírica e no poder assimilador, constante e poderoso".

Hermano nos fala que nos anos 90, Catirina mudou. Cansada de língua do boi, ela partiu para buscar diversão e alimento em outras brincadeiras, sob protestos de  muitos folcloristas que não admitem esse seu capricho a mais. Ele cita Parintins, que naquela época por exemplo, Catirina era obrigada a comparecer ao bumbódromo apenas "para manter a tradição".



Naquela época há aproximadamente 15 anos de fato, o ilustre Antropólogo tinha razão, senão vejamos: 


De fato, isso acontecia em Parintins, não é que seria um obrigação, ela tinha um função de concorrer a um item que colocava em cheque a própria história da brincadeira, O BUMBA-MEU BOI É UM DRAMA, OU UMA COMÉDIA? ERA UM DANÇA DE PROTESTOS ONDE OS PARTICIPANTES HOMENS NA PELE DE CATIRINA SE VESTIAM DE MULHER?  OU CATIRINA DE FATO NA BRINCADEIRA ERA UMA MULHER?  Por ser um homem vestido de mulher seria normal  a reação das pessos, pelos trejeitos, os sorrisos, as gozações se revelando em uma figura engraçada e muitas vezes servindo até de palhaço para o público de forma que a redicularizava.


Mas, um questionamento  teria que ser feito: Porque na brincadeira Catirina sempre foi interpretada por um homem? Em Parintins, Catirina junto com Francisco entrava no Bumbódromo pra fazer deboche, estrepolia, tirava sim a língua do boi e concorria ao item FIGURA ENGRAÇADA, porém chegou-se a uma conclusão que a palhaçada que este se submetiam era algo constrangedor, sem qualquer nexo. Assim, Pai Francisco e Catirina deixaram de concorrer, para participarem da trama sem se exporem ao ridiculo. Eles adentram no bumbódromo, fazem parte da brincadeira sem se exporem tanto ao ridiculo, brincm como qualquer personagem e sua história é narrada. 

Vejam que Catirina é um homem vestido de mulher como sempre foi no Auto do Boi. Em Parintins, a dinâmica do Boi que VIANNA denomina de  circulação trouxe para o Boi-bumbá mais elementos que ficaram mais  com a cara da Amazônia, uma festa mais regional, mais cabocla, mais tribal, com herança nordestina.

Nos dias de hoje há uma interação dos escravos (PAI FRANCISCO E CATIRINA), GAZUMBÁ, MÃE MARIA, COM O AMO DO BOI (dono da fazenda) e com a figura do BOI propriamente dita, além dos mesmos serem mencionados nas Toadas.

Em Parintins desde quando eu me entendo como gente sempre houve alguma toada que falava de Pai Francisco e Catirina, COMO NESTE REFRÃO DO GARANTIDO:

“Mataram o boi, não sei quem foi
O Pai Francisco vai dar conta do meu boi  

OUTRA TOADA DO GARANTIDO:

Minha Sina Boi Garantido
Eu seiQue sou vermelho e branco do boi Garantido
E a força do meu canto me faz destemido
Eu te amo de paixão, meu boi
Eu sou
O toque do tambor da minha batucada
E o trote ritmado da vaqueiradaSou amor, sou emoção
Sou o poema de encanto que brota da alma cabocla
Sou a toada que canta contando a história
Sou povo, sou sangue, sou crença, sou raça, sou glória
Sou pai Francisco, Gazumbá e Catirina
Brincar de boi é minha sina
Sou pai Francisco, Gazumbá e CatirinaSer Garantido é minha vida


NA TOADA AZUL DO MEU BRASIL, DESSE ANO DE 2012, O CAPRICHOSO MOSTRA BEM CLARO QUE NÃO MENOSPREZA A FIGURA DE PAI FRANCISCO E CATIRINA, BASTA ACOMPANHAR A LETRA DA TOADA.


http://www.boicaprichoso.com/toadas2.asp?ID=320

OUTRA TOADA DO CAPRICHOSO

Auto Do Boi

Boi Caprichoso

Pai Francisco e mãe Catirina
Eu vou contar como foi
Mestre Chico apaixonado
Teve que matar meu boi
Na fazenda que eles moravam
Comida tinha, bastante
Pasto verde, água e boi gordo
E o mais bonito de todos
De pelo negro e brilhoso
É o boi, é o boi, é o boi Caprichoso
Catarina, mãe Catirina
Guerreira mãe parintina
Queria a língua do boi
Mestre Chico apaixonado
Facão de gume afiado
Tirou a língua do boi
De pelo negro e brilhoso
É o boi, é o boi, é o boi Caprichoso
E o povo azul da fazenda
Segundo conta a lenda
Queria vivo o boi
Pajé da tribo chamado
Feitiço forte aplicado
Trouxe de volta o meu boi
De pelo negro e brilhoso
É o boi, é o boi, é o boi Caprichoso

Como itens, estes não concorrem mais, mas a figura de ambos tem uma importância dentro do contexto da trama nordestina que geralmente é contada na primeira noite de apresentação onde se mostra a transformação do BUMBA MEU BOI para o BOI-BUMBÁ cujo ritual indigena é o ápice da festa, porém este permanecem até o final da Festa dançando, brincando, fazendo estripulias com o boi interagindo com os personagens..


Entendo que essa circulação de CATIRINA, CATITA ou CATARINA e o NEGO CHICO (PAI FRANCISCO)  é própria do dinamismo do BOI-BUMBÁ DE PARINTINS  que permite esse dinamismo de modo próprio, afinal é a vontade do povo que está presente no evento e que se sustenta pela sua vontade de brincar o Boi  e manter viva a sua Tradição.


Perdoem-me os intelectuais que supostamente são  bem intencionados pela tradição, mas se formos levar o pé da letra a tradição de como as coisaas eram teremos que retornar ao período da lamparina e os bois brincando na rua e com certeza jamais estaríamos escrevendo sobre este fato folclórico que chama atenção de milhares de pessoas no mundo. Nem os intelecuais iriam lá prá fazer tal registro.

Hermano nos diz que Na Zona da Mata pernambucana, região tida como local de origem do folguedo do boi, Catirina realizou seu desejo e trocou de brincadeira: quase não comparece mais às encenações bovinas e gasta todas suas energias brincando feito uma louca, sem função explícita, nos maracatus rurais. Assim sendo, nossa festa em Parintins há uma preocupação maior com tal fato, valorizando um circulação mais efetiva dos personagens e isso é muito bom, porque o Auto do boi é narrado e suas transformações também.
 
Assim sendo Parintins percebe que conforme diz VIANNA cada mestre de brincadeira, ou cada brincante, não atua como o espectador passivo de um tradição secular sobre a qual não tem nenhum controle e só pode "preservar", mas pode transformar sem perder a essência. 

E ainda completa: Cada mestre recompõe os elementos de todas as outras brincadeiras. No caso especifico de Parintins, talvez pela formação dquele povo percebe-se que há uma busca pela identidade muito forte, nosso boi, nossa festa é cabocla, indigena, é preservacionista, é politicamente correta porque chama atenção pra as questões ETNICAS, POLITICAS, AMBIENTAIS, CULTURAIS, FOLCLÓRICAS, ANTROPOLÓGICAS. A verdade é que  não há espaço para um novo sem contexto. A origem tem problema sim, mas sem estar preso a uma cartilha porque o caboclo entende que pode recriar sem vulgarizar, sem descaracterizar, bem como a brincadeira também  deve atender aos clamores das novas gerações que a assumirão ou não de acordo com os seus interesses e formação. Catirina no boi de Parintins, tem livre arbítrio, pode brincar onde quiser, ela não é Amélia como diz Hermano em seu texto: ninguém vai conseguir prendê-la num só lugar porque ela é traquina, cheia de vontades e está sempre acompanhada do nego Chico.

Hermano Vianna ainda nos diz que: Para ser mais preciso, e talvez compreensível: existe um "espaço da brincadeira" no Brasil. Esse espaço, como o ciberespaço, tem a estrutura de uma rede, uma rede interbrincadeiras. Cada brincadeira é um nó da rede, estando assim interligada a todas as outras brincadeiras.



Sgundo ele O erro de muito preservacionista bem-intencionado é achar que, para salvar um folguedo da ameaça de desaparecimento, é necessário isolá-lo do resto do mundo, mantendo à força sua "verdade" ou "autenticidade" (uma idéia avessa à mistura e à "circulação").

Como os militares estrategistas que inventaram a Internet perceberam, o que é preciso "preservar" é a rede, a capacidade de as informações circularem dentro da rede, e não um nó específico. Numa rede "saudável", a destruição de um nó não é ameaça para o todo: as informações encontram logo outros caminhos para fazer novas parcerias, novas ciberbrincadeiras.

O Autor fala sobre a quetão da BUSCA DA IDENTIDADE NACIONAL E DA QUESTÃO DAS RAIZES BRASILEIRA AFIRMANDO: Essa questão adquire contornos "sérios", e não apenas relativos aos caprichos de uma tal Catirina, quando sabemos que muitas vezes é nessas brincadeiras que são renegociadas algumas das características mais centrais daquilo que se convencionou chamar de "identidade nacional" ou "raízes do Brasil". Optar por pensar o "espaço da brincadeira" como uma rede é também fazer um esforço para encarar o problema da identidade em outros termos, fora da procura de "raízes".

Diante de tais argumentos de Hermano, temos que concordar quando o mesmo diz que: (é perda de tempo buscar o boi original, o boi verdadeiro, o boi verdadeiramente brasileiro, a partir do qual novos bois seriam julgados adequados ou não, autênticos ou não. O boi foi (re)inventado numa rede de festas bovinas que conectava a floresta paraense com o litoral catarinense. E o boi continua a ser uma obra aberta.


Mas afina de contas, fico me indagando, O QUE É O BOI ORIGINAL? VERDADEIRAMENTE BRASILEIRO? AUTÊNTICO? Ora, nossos intelectuais esquecem-se de vivemos num país continente há há uma série de culturas. Querer crir uma cultura uniforme em um país tão diferente geograficamente, na formação de raças diferentes é querer impor uma cultura somente e querendo impor uma IDENTIDADE NACIONAL dificl de ser construida., PODEMOS SER SIM UMA UNIDADE NA DIVERSIDADE, o que não podemos é estar preso a UMA CARTILHA PARA BUSCARMOS UMA UNIFORMIDADE como bem diz Hermano., ademais o dinaminsmo da festa do próprio teatro e da dança permite a mobilização e a interação com elementos da própria cultura do lugar.

Por isso, combater o bumbódromo de Parintins como "deturpação", via "desfile de Carnaval", da verdadeira brincadeira é apostar na estagnação brincante, em nome de uma "autenticidade" que não interessa a quem brinca, a quem é o futuro do boi, ou -para soar dramático- a quem é o futuro da identidade "nacional".

Ademais, todo e qualquer comentário que venha querer criticar esta festa ou fazer comparações objetivando deturpá-la geralmente feita por intelectuais que nada fazem efetivamente para o seu engrandecimento e reconhecimento como festa cultural, a não ser registrar e catalogar fatos para traçar seus conceitos e ganharem créditos como pesquisadores falando para um grupo reduzido de pessoas que...., DE NADA IRÁ INFLUENCIAR NO PENSAMENTO DE SEUS REAIS DONOS, ATÉ PORQUE NÃO SÓ OS CABOCLOS PARINTINTIN ENTENDEM QUE A FESTA É ALGO QUE TEM A SUA CARA NÃO HAVENDO QUALQUER RELAÇÃO COM CARNAVAL (a não ser na grandiosidade) PORQUE A SUA DINâMICA É BEM DIFERENTE.

NOSSA FESTA É AUTENTICA, TEM A CARA DO BRASIL, É UMA FESTA DE TODAS AS RAÇAS E A CADA ANO GANHA MAIS DESTAQUE, INCLUSIVE NO EXTERIOR DO QUE NO BRASIL PORQUE PRÁ MUITOS BRASILEIROS QUE ASSISTEM AS PÉSSIMAS TRANSMISSÕES DE TV TRATA-SE DE UMA BRINCADEIRA INGENUA E NÃO FAZ PARTE DA SUA REGIÃO CONSIDERANDO O NOSSO PAÍS COMO UM CONTINENTE, FICA ATÉ DIFICL DE SE FALAR EM UNIDADE NACIONAL E RAIZ BRASILEIRA.

Pra Hermano, é preciso, então, circular, fazer circular, inventar novas conexões.

Hermano vai mais além, destacando a influência de outras culturas que não sejam a nacional e diz: Essas conexões não estão presas necessariamente ao espaço "nacional". Obra aberta é para ser aberta mesmo. O elemento que fortalecerá determinada brincadeira pode ser proveniente da cultura pop americana, por exemplo. Como é o caso da Folia de Reis carioca, que ganhou novo fôlego por causa da popularidade dos bailes funk e da iconografia "heavy metal". A garotada quer ser palhaço de folia porque os grupos de palhaços se ligaram às galeras dos bailes, e nas suas "fardas" de palhaço acabaram entrando símbolos da Nike, Adidas, fotos retiradas da capa do último Iron Maiden e até uma folha estilizada de maconha, bem ao estilo da família Hemp.



O que não é o caso de Parintins onde não há qualquer influência de conexão internacional, porque  a garotada, o jovem e a criança quer se vestir de indio, de caboclo, de pescador, de marujeiro, de vaqueiro porque entenderam bem a mensagem do respeito às raças, da absorção do que seja uma figura tipica regional, entenderam bem a dinamica da diversidade, entenderam que não é vergonha usar uma camisa de Garantido e Caprichoso que são os ícones de sua cultura e que trazem  estampas ecológicas.,

E finaliza Vianna com a seguinte observação: Sacrilégio? Traição? Acho difícil que, a essa altura do campeonato, pela "identidade brasileira", alguém ainda coloque as coisas nesses termos. Até porque isso significaria esquecer as lições dos nossos melhores folcloristas. Câmara Cascudo (estamos, neste ano, comemorando o centenário de seu nascimento), elogiando a brincadeira do boi, afirma que "o processo de concatenação, de ajustamento dos vários temas (remix?), é uma assombrosa audácia técnica", audácia que está na base de uma "dinâmica de adaptação que é a justificativa de sua permanência funcional".


Nenhum comentário:

Postar um comentário